Pioneiro: “A maior parte das pessoas que falam que têm medo da morte fazem de tudo para ela chegar rápido”, diz médica que palestra em Caxias

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Ana Claudia Quintana Arantes é autora do best-seller "A morte é um dia que vale a pena viver". Neimar De Cesero / Agencia RBS

Autora do best-seller A Morte é Um Dia que Vale a Pena Viver, a médica Ana Claudia Quintana Arantes palestra em Caxias do Sul neste sábado (26). O encontro promete suscitar reflexões sobre amor, vida e cuidado. A programação ocorre no Samuara Hotel, a partir das 8h (veja mais abaixo).

Além de Ana Claudia, o evento contará com a presença de outros palestrantes que são referência em suas áreas: o cardiologista, escritor e diretor médico da Santa Casa de Porto Alegre, Fernando Lucchese, a pesquisadora do Cecan RS, mestre pela Universidade de Ottawa e cancerologista Patricia Moretto, e a psicóloga especialista em luto e fundadora do Instituto Luspe Ana Paula Reis.

Referência nacional em cuidados paliativos, Ana Claudia foi responsável pela implantação dessa terapia no Hospital Albert Einstein. Ela é médica geriatra pela USP, psicóloga e especialista em Cuidados Paliativos pelo Instituto Pallium e pela Universidade de Oxford.

Em entrevista ao Pioneiro, a médica fala sobre a morte, a vida e como encarar o luto.

Seus livros, como A Morte é Um Dia que Vale a Pena Viver, falam com pessoas de diferentes áreas e revelam o olhar de como enxergar a morte sem tabus. Como enxergar e falar sobre esse assunto de uma forma leve e sem medo?

Para falarmos sobre a morte de um modo mais viável do ponto de vista humano, sem que isso seja mal visto ou seja silenciado, precisamos entender o que a morte significa para cada um de nós. Então, eu consigo falar dessa forma porque eu entro num espaço dentro das pessoas onde a natureza da morte é uma natureza humana, ela não é uma falha do sistema, não é uma questão de incompetência, não é uma questão de fracasso. Não existe uma batalha contra a morte, mas uma batalha para você poder viver bem. Se você tem uma doença, você vai querer tratar a doença para ter controle, vai buscar uma condição onde você se sinta bem no seu corpo, apesar de ser mais frágil. E quando eu trato da pessoa sabendo que ela vai falecer, eu me desprendo dessa coisa tão imatura de lutar contra uma coisa que é da natureza.

O que a medicina conseguiu foi aumentar o tempo de vida das pessoas. Só que esse tempo pode ser bom ou ruim, a depender de como essa medicina favorece uma vida boa. Porque, às vezes, ela traz mais efeitos colaterais do que uma doença grave. Com essa maturidade de olhar para aquilo que faz você viver bem, seja pelo tempo que for, a gente consegue falar sobre a morte de uma forma mais leve. Mas aqueles que não conseguem ver a vida como algo importante para além de um corpo que funciona bem, fica mais difícil de enfrentar esse tabu.

Neimar De Cesero / Agencia RBS
O último lançamento da autora é o livro infantil “Onde fica o céu?”.Neimar De Cesero / Agencia RBS

Muita gente vive com medo da morte. Isso é disfuncional? Mesmo para pessoas que não têm uma doença? 

A maior parte das pessoas que falam que têm medo da morte fazem tudo para a morte chegar rápido. Tenho medo da morte, mas eu bebo para caramba, eu fumo para caramba, não cuido do meu corpo, não faço atividade física, eu não cuido da minha parte cognitiva, eu não cuido das minhas relações, eu não cuido dos idosos da minha família. Você diz que quer aproveitar a vida, mas, na verdade, você quer que a sua vida seja curta. Porque o que você chama de intensidade, de vida boa, é algo que machuca muito teu corpo. É de um conteúdo tão raso que é meio patético até você falar que tem medo da morte.

Tem pessoas que realmente têm medo, mas de algo que é mais intangível. De desaparecer, ser esquecido, não deixar um legado, não ser importante para alguém e não fazer diferença no mundo. São situações que te levam a ficar amedrontada com o seu fim, porque você acha que não vai dar tempo de você fazer tudo isso. E tem as pessoas que têm medo do sofrimento e é muito legítimo, porque a gente vive num país que realmente permite um sofrimento abismal para você morrer.

Tem um lugar que é muito perigoso para morrer no Brasil, porque nem os médicos, nem as famílias, nem as próprias pessoas que estão doentes se dão conta da importância do alívio do sofrimento. Só que esse formato de abordagem gera mais sofrimento, porque é um descaso. Na parte emocional, você se sente abandonada. Então você vai ter a percepção de abandono do seu médico, dos profissionais de saúde que não se importam, da sua família, de Deus. Você vai entrar num espaço de extrema solidão por causa do sofrimento que você está vivendo. Morre-se muito mal quando você não tem nenhum tipo de respeito e cuidado pelo sofrimento das pessoas.

De que forma que os cuidados paliativos podem ajudar nesse caso? O que pode ser feito? 

Para se ter uma ideia, entre 50% e 60% das pessoas com diagnóstico de câncer chegam no médico já com a doença avançada. E isso independente de ser SUS ou medicina privada. Essas pessoas com a doença avançada não vão alcançar cura. Existe uma ilusão de que vou tratar, vou conseguir, vou fazer tudo quanto é tratamento, vou conseguir os melhores médicos… Se você tem muito recurso financeiro, você pensa assim. Se você não tem, você vai querer ir para os grandes centros. Muita gente que migra para o Sudeste para poder ter acesso a tratamentos que são considerados aqueles que viabilizam a cura. O que você vai conseguir com o tratamento? Você prolonga a vida. Só que desde o diagnóstico até morrer, a pessoa vive uma série, em escalas absurdas, de sofrimento.

Você está no final da sua vida, com uma dor intensa e tem alguém que vai dizer para você: “não toma morfina porque vicia”. E aí eu posso te dizer: não vai dar tempo para você ficar viciado. E caso você tenha um comportamento adicto, é muito mais fácil a gente cuidar disso do que deixar você morrer de dor. A pessoa com dor morre do coração, de infarto, de crise de pressão alta. A pessoa que tem falta de ar, morre de uma crise de ansiedade. E as pessoas que assistem isso acabam adoecidos para sempre. Porque você vive aquele sofrimento e você nunca esquece. A minha mãe morreu gritando, meu pai morreu gritando pedindo socorro. A minha avó estava morrendo pedindo piedade, misericórdia. Essa é a lembrança que fica quando você não tem cuidado paliativo.

E para quem fica é pior?

Muito pior. Porque aí você gera uma pessoa que já está com medo implantado nela. Ela já começa a sofrer muito antes de ter qualquer doença. E quando ela tem, tem um medo muito maior, porque ela pensa que vai sofrer igual aquela pessoa sofreu.

Para uma pessoa que vive um familiar com uma doença que não tem cura, é mais fácil aceitar que a morte vai chegar em algum momento? 

Quando alguém morre, quem fica tem um luto para viver. A gente pode chamar de trabalho do luto. Sigmund Freud deu esse nome e foi muito feliz quando batizou assim. Porque é trabalhoso do ponto de vista físico, emocional, cognitivo, social, familiar. Quando você tem uma morte anunciada, você começa a viver um processo que chama-se luto antecipatório. Quando você vive o luto antecipatório, você pode viver todas as etapas do luto, mas a pessoa viva ainda. Então você pode conversar, pode pedir perdão, pode se divertir, pode fazer perguntas sobre o futuro… Se é uma morte súbita, você vai ficar com todas as suas pendências sem poder falar sobre isso. Então, o seu trabalho de luto vai ser muito mais pesado. Vai ser no pós e você vai estar sozinha. A morte anunciada propicia um preparo para a ausência.

E nesses casos, os cuidados paliativos ainda são tabu? Entre médicos e entre as pessoas que não dão da área da saúde? Como está a evolução desde que você começou a trabalhar com isso até agora?

Eu percebo uma boa diferença. Eu tenho a absoluta noção que é uma diferença ainda muito pequenininha. Não são todos os médicos que são capazes de compreender a importância desse assunto. Mas uma parte já é capaz. Então a gente já deu alguns passos em direção a um futuro melhor. Os leigos começam a perceber que o cuidado paliativo não abrevia a vida, mas faz com que a vida seja valorizada. Ainda assim, eu sou chamada muito tardiamente. Tem muitas pessoas que vão me procurar num momento de total desesperança e já passaram por um sofrimento muito difícil de lidar. Então, a aceitação da morte não vem quando a pessoa entende a sua natureza humana. A aceitação da morte vem quando viver o sofrimento é insuportável. Isso a gente precisa melhorar.

Como fazer isso?

Para quebrar um preconceito de uma cultura, quem faz isso são os integrantes da cultura. Eu trabalho pra que todo mundo seja um educador. Então se você tá cuidando de um familiar teu e diz que está na hora do avô, por exemplo, ter cuidado paliativo. Você vai falar com o médico dele e ele fala: “você tá querendo matar o seu avô?”, mas não, o cuidado paliativo vai fazer com que o avô seja de melhor cuidado. O que eu quero é não matar a dignidade dele. É fazer a pessoa viver o que tem de vida e de uma forma boa, com alívio do sofrimento. Você não seda uma pessoa com analgésico, você tira a dor dela. Quando você tira a dor, ela gosta de viver. A gente já tem parâmetros de pesquisa clínica, a tal da medicina baseada em evidência, já comprovou que uma pessoa que tem o seu sofrimento cuidado e tratado, ela vive mais tempo. A gente também prolonga a vida com alívio do sofrimento.

Cronograma do evento

  • 8h45min – Abertura do evento.
  • 9h – Palestra com a Dra. Ana Paula Reis com o tema Reflorestar o coração: O cuidado como sobrevivência da espécie.
  • 9h20min – Palestra com a Dra. Patricia Moretto com o tema Jornada do paciente oncológico.
  • 9h50min – Palestra com o Dr. Fernando Lucchese com o tema Espiritualidade como Adjuvante no Tratamento de Doenças.
  • 11h – Palestra com a Dra. Ana Claudia Quintana Arantes com o tema A Morte é um Dia que Vale a Pena Viver.

Agende-se

O quê: encontro “A morte é um dia que vale a pena viver e um excelente motivo para se buscar um novo olhar para a vida”.

Quando: sábado (26), a partir das 8h.

Onde: Samuara Hotel (Av. Frederico Segala, s/n – Samuara – Caxias do Sul).

Quanto: ingressos à venda pelo site Eleven Tickets, a R$ 300(+taxas).

Fonte: Pioneiro

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